Por muitos dias deitado no sofá olhei pela porta e vi o dia ensolarado as flores no jardim e tudo o mais, mas hoje excepcionalmente estava nublado, e então reparei que o portão não estava trancado e que havia uma figura de vermelho no meu jardim, ela cheirava as flores mortas e colhia as folhas secas, ela logo que me viu foi entrando em minha casa, sentou-se no sofá e me ofereceu o buquê , aceitei, e então ela veio em minha direção como se fosse para um beijo, me afastei e lhe ofereci uma taça de vinho, seu toque converteu o líquido em sangue e ela o bebeu num só gole como se fosse água. Para sua surpresa eu não me surpreendi, já que esperava sua visita, a última visita que eu receberia na vida e queria aproveitar até quanto pudesse, dizem que o beijo da morte embriaga e leva a dor, mas em compensação se olharmos em seus olhos temos uma morte muito dolorida, vemos todos os nossos erros e acertos cometidos, e o olhar de Deus.
Em toda a minha vida eu sempre acreditei que fosse pro inferno, nunca fui o que se podia chamar de homem bom, enganei quem pude, roubei alguns familiares e por fim fiquei sozinho, e por isso a minha única chance de ver o olhar de Deus era pelos olhos da Morte, que fosse então.
Aproximei-me dela, devagar, dei uma última olhada em meu cachorro, sentei-me ao seu lado e me aproximei para o beijo final, quando quase encostei meus lábios nos dela puxei seu capuz e fitei os olhos mais azuis que já vi e senti a dor mais aguda de todas, como se sofresse consecutivos infartos, inúmeras pontadas pelo corpo e então beijei seus lábios e no final lá estava Deus fitando-me... com os braços abertos, foi a morte mais doce e dolorida que alguém pôde ter.
Mas agora eu vago pela Terra, pois como pode alguém ir pro céu com tamanhos pecados? Ou então ir pro inferno depois de ter fitado os olhos de Deus? Condenaram-me a vagar aqui por toda a eternidade, mas não me importo com o eterno na Terra, antes ter fitado os olhos de Deus por um instante do que fitar eternamente os olhos do Diabo.
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